domingo, 1 de novembro de 2009

assistencia e politicas publicas na eja

Em 1993, ainda no início da mobilização pela demarcação da terra indígena Pitaguary, a presença desse povo foi oficialmente reconhecida por um projeto de lei da Câmara Municipal de Maracanaú. A doação de 107 hectares de terra que daí resultou constituiu uma das razões pelas quais várias famílias indígenas voltaram para dentro da área, fixando-se a partir de 1997 na localidade designada de Aldeia Nova dos Pitaguary. Foi nesse mesmo ano que o Grupo de Trabalho – GT da Funai foi enviado para dar início aos estudos de identificação e delimitação da TI Pitaguary.Em 1998, as lideranças locais já falavam da necessidade de se equipar uma escola que pudesse funcionar como espaço de construção de um saber especializado na cultura local, desenvolvendo para isso um plano educacional que reconhecesse o modo de vida, aqui incluindo a história e a memória, do povo Pitaguary. Naquela época, o cacique Pitaguary lamentava o fato de que não existia “colégio pras crianças” porque não existia “uma escola indígena mesmo”, isto é, “professores índios para ensinar os índios”. Além disso, o cacique enumerava a falta de água, posto de saúde e telefone na área.Já em 1999, com a pequena doação de uma ONG estrangeira, foi construída a primeira escola indígena Pitaguary, localizada na Aldeia Nova. Deu-se a ela o nome de “Cuaba”. Entretanto, sua edificação foi mais tarde condenada e, por temor aos riscos de um desabamento, a escola acabou sendo desativada. O malogro dessa experiência afetou inúmeras crianças e professores indígenas que, voluntariamente, deslocavam-se a pé ou de bicicleta todos os dias, às vezes por cerca de mais de uma hora, para tornar possível o “sonho” de uma formação diferenciada. O que estava em jogo, na realidade, era a criação de um espaço educacional em que as crianças da localidade, ao invés de marginalizadas, fossem valorizadas.Enquanto o ideal de uma escola indígena diferenciada sofria tal abalo, a Fundação Nacional de Saúde – Funasa começava a se fazer presente dentro da TI Pitaguary. Além da seleção para o preenchimento de cargos destinados a agentes de saúde indígena, em 2000 realizou-se o cadastramento de mais de setecentos índios Pitaguary. Logo em seguida, em 2001, teve início o Curso de Magistério Indígena Diferenciado, Universidade Federal do Ceará – UFC em parceria com a FUNAI, o qual contou com a participação de diversos povos indígenas do Ceará. Esse curso, apesar de duramente criticado por lideranças Pitaguary, parece ter sido, por outro lado, diretamente responsável por um processo de interação contínua entre jovens de diversos povos indígenas no Ceará. Foi também em 2001 que se inaugurou a escola indígena do Horto, chamada de “Chuí”. Em 2002, embora sem espaço próprio, outra escola indígena, a Itaara, foi reconhecida.No mesmo ano de 2002, a partir da mobilização dos professores Pitaguary, a escola municipal da localidade de Santo Antônio foi transformada em Escola Municipal Indígena do Povo Pitaguari. Para garantir o funcionamento dela, um convênio entre estado e município foi assinado, com o primeiro se responsabilizando pelo pagamento dos professores e o segundo se encarregando dos funcionários. Nessas escolas, além da educação infantil e o ensino fundamental, tem se tentado promover, ainda que enfrentado inúmeras dificuldades, a educação de jovens e adultos.Em 2005, um novo cadastramento da Funasa já indicava um aumento da população Pitaguary para um o número de 2.144 pessoas. Até então, o pólo base de saúde do Olho D’Água continuava a funcionar em condições precárias, expondo pacientes e profissionais de saúde a diversos riscos de contaminação. Um novo pólo base foi assim construído, dessa vez dentro da área de Santo Antônio dos Pitaguary, mas devido a uma série de divergências de cunho político e administrativo, a sua estrutura ficou sem utilização até meados de 2006.De um modo geral, as equipes de saúde que trabalham junto aos Pitaguary não dispõem de profissionais suficientes para atender, simultaneamente, a população indígena e não-indígena, o que vem ocorrendo no caso do posto de saúde do Olho D’Água. Além disso, dada à a instabilidade que esses profissionais enfrentam no que diz respeito aos contratos de trabalho que assinam com as prefeituras locais, os Pitaguary acabam sofrendo com a alta rotatividade de pessoas que ocupam posições de extrema importância dentro dos postos de saúde.Afora um médico e sua esposa enfermeira que se dedicaram ao longo de mais de seis anos à saúde dos Pitaguary, e com quem esses índios desenvolveram uma relação de empatia e confiança, a maior parte dos demais profissionais de saúde não passaram mais do que alguns meses na área Pitaguary. Essa descontinuidade na relação entre os profissionais de saúde e a população atendida tem se apresentado como um dos maiores desafios para a saúde indígena Pitaguary.No que diz respeito à presença da Funai, o que se observa é que, devido à precariedade da estrutura e do reduzido número de servidores do Núcleo de Apoio Local - NAL Ceará, esta instituição tem se mantido verdadeiramente ausente da área Pitaguary. Em contraste, nota-se a presença constante de representantes da Prefeitura de Maracanaú e, mais esporadicamente, da Prefeitura de Pacatuba. Em anos recentes, a prefeitura de Pacatuba se utilizou da presença indígena Pitaguary para justificar ajuda financeira destinada à implementação de um Centro de Referência da Assistência Social – CRAS em seu município. No entanto, segundo lideranças locais, esse Centro de Referência nunca atendeu às demandas da população indígena e hoje figura como mais um exemplo da relação autoritária que o poder público às vezes assume em relação à população indígena de seu município.Em 2006, a Prefeitura de Maracanaú também decidiu trazer, para a área de Santo Antônio dos Pitaguary, um Centro de Referência da Assistência Social – CRAS específico para a população indígena. Funcionando em duas salas da casa de apoio local, o CRAS Pitaguary pretende prestar serviços de atenção básica a famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade, além de fazer o controle dos benefícios advindos de políticas assistenciais dentro da área. Dado seu pouco tempo de funcionamento, o CRAS de Santo Antônio é um experimento ainda em fase de implantação.Lado a lado com as políticas públicas na área da saúde, educação e assistência social, os Pitaguary contam ainda com recursos financeiros oriundos de duas indenizações pagas às suas comunidades. Isso se deve ao fato de que, em 1999, 2003 e 2004, ocorreu a passagem de linhas de transmissão de eletricidade dentro da área Pitaguary. Da instalação da primeira e segunda linhas, de propriedade da Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco – CHESF, resultou o pagamento de uma indenização no total de 150 mil reais. Já em 2004, com a chegada de mais duas linhas de propriedade do Sistema Transmissão Nordeste – STN, obteve-se o pagamento de nova indenização, dessa vez no valor de 600 mil reais, com acréscimo de uma taxa anual de 75 mil reais durante um período de cinco anos.Esses recursos já estão oficialmente disponíveis para uso do povo Pitaguary, no entanto a burocracia para a liberação de parte desse montante tem sido tão grande que, no dia 13 de setembro de 2006, uma comitiva de 40 índios decidiu ocupar a Funai até que, em reunião com o seu administrador local, ficasse acordada uma alternativa para uso imediato desse recurso. As lideranças locais têm consciência de que a passagem das linhas de transmissão dentro da TI Pitaguary acarretou na diminuição de sua terra, a qual já é considerada de tamanho insuficiente. Todavia, existe aí a esperança de que, através das indenizações pagas, essa população possa, enfim, encontrar os meios para financiar projetos produtivos que transformem a situação de pobreza na qual muitos dos seus vivem.

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